Agricultura sintrópica desperta o interesse de produtores de todo o país

Olívia estava chateada. Seu pai, Santo, lhe passou um pito daqueles quando, de novo, ela quis mostrar-lhe um projeto de agricultura orgânica. Sentada no bar de Chico Criatura, em Grotas do São Francisco (BA), ela chora, diz que o pai não quer nem escutá-la. Na mesa ao lado, Miguel ouve a conversa e se achega. A menina não quer papo com ele, mas se rende. “Olívia, estou dizendo que tanto o orgânico quanto o convencional extraem mais do que deixam na natureza, e aí o custo fica alto, tanto para o ecossistema como para o produtor. Quem sabe a agricultura sintrópica não seja um caminho melhor?”, indaga o rapaz. A cena fez parte da trama de Velho Chico, novela da TV Globo, e foi ao ar no final de maio.

A personagem de Giullia Buscacio, Olívia, e de Gabriel Leone, o agrônomo Miguel, vivem dramas na ficção. Ele é neto do coronel, grande fazendeiro, e ela, filha de um pequeno produtor, presidente da cooperativa. Se apaixonaram, mas descobriram que eram irmãos. No passado, seus pais viveram um romance proibido e agora eles estavam trilhando o mesmo destino. A verdade apareceu e o casal se afastou. A história, porém, não afastará os sonhos dos dois, empenhados em mudar o modo de cultivar alimentos naquela região do Brasil, o interior da Bahia, castigada por seca, degradação e baixa produtividade agrícola. “A agricultura sintrópica é a maneira da natureza produzir. Respeita a lógica da vida”, diz Miguel.

Pela primeira vez, o tema sintropia, assim, com esse nome, foi exposto ao grande público. O método já é conhecido como sistemas agroflorestais (SAF). Para viverem Miguel e Olívia, os atores foram para o campo aprender sobre a sintropia com o “pai” do sistema, o suíço radicado no Brasil Ernst Götsch, de 68 anos. Participaram de um curso intensivo num sítio no interior do Rio de Janeiro, onde outros agrofloresteiros praticam a técnica. Desde então, atores, Götsch e os produtores, gente que desde 1995 espalha a sintropia pelo Brasil, produzindo alimentos em florestas e ganhando dinheiro com isso, estão trabalhando juntos.

Amor incondicional

Sintropia é o oposto de entropia, que é a medida do grau da desorganização de um sistema. O dicionário define como “elemento que contribui para o equilíbrio organizacional”. A definição vale também para a atividade agrícola. A agricultura sintrópica desenvolvida por Götsch envolve conceitos simples e complexos ao mesmo tempo. Simples porque ela prega trabalhar em harmonia com a natureza, seguindo sua lógica. Complexos porque, para praticá-la, é preciso se desprender de conceitos tradicionais. “A agricultura sintrópica implica produzir alimentos seguindo a lógica natural do sistema com amor incondicional pela vida”, diz Götsch. “Todos os seres que nascem neste planeta têm uma função: os animais, o solo, a água, o vento. Nós, homens, também nascemos como parte do sistema e das funções. Devemos trabalhar agindo em favor dela, e não contra, como tem acontecido ao longo de milhares de anos.” Segundo ele, a forma como a agricultura convencional vem sendo praticada por milhares de anos resultará em escassez e desertificação. “A morte.”

O conceito aprimorado por Götsch é resultado de décadas de trabalho no campo, pesquisa científica e análise da teleologia, a ciência que estuda as finalidades do universo. Cientista, iniciou os experimentos na Suíça, trabalhando com melhoramento genético de forrageiras. Na Alemanha, implantou pela primeira vez um SAF para produzir hortaliças. Na Costa Rica, em 1970, inseriu refugiados nicaraguenses em projetos de agricultura sustentável, até que, em 1982, fincou o pé no Brasil. “Eram terras improdutivas devido à extração intensiva de madeiras, cultivo de mandioca nos morros e abertura de pastos com fogo para a pecuária”, lembra Götsch sobre a fazenda de 500 hectares que comprou com um sócio em Piraí do Norte, cidadezinha distante 180 quilômetros de Ilhéus (BA).

A área chamava-se Fugidos da Terra Seca. Hoje, é Fazenda Olhos d’Água, com 350 hectares de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), 120 hectares de Reserva Legal (RL), 10 hectares de lavouras e 14 nascentes recuperadas. “Não dei esse nome. Em 1953, a fazenda chamava-se Olhos d’Água, mas, com o tempo, virou Terra Seca. Com a recuperação do solo, os olhos d’água voltaram”, diz o cientista, que se orgulha mesmo é de ser chamado de agricultor.

Conheça a agricultura sintrópica

Um sistema que junta, na mesma área, a produção de hortaliças, frutas e madeira. É a agricultura sintrópica, que também recupera áreas degradas e protege o meio ambiente. O Globo Rural visitou a fazenda de Ernst Götsch, criador desse sistema. Ele nasceu nas Suíça, onde estudou e trabalhou com melhoramento genético. (Assista aos vídeos)

Entretanto, ele foi virar agricultor e pesquisador do outro lado do oceano. Passou pela Costa Rica e chegou ao Brasil nos anos 80. Em Piraí do Norte (BA), comprou terra barata, mas com um nome assustador: Fazenda Fugidos da Terra Seca. Área desmatada, explorada com cultivo de mandioca e criação de suínos e depois, abandonada. “O nosso problema no início era água”, explica o agricultor.

Já faz tempo que a propriedade recuperou o nome original, descoberto em documentos antigos: Fazenda Olhos D’Água. A vegetação foi recomposta, o solo recuperado, com agricultura associada a floresta: a agrofloresta.

A definição de sintropia é o contrário de entropia, termo associado a desorganização, degradação de sistemas, a perdas de energia. A agricultura sintrópica propõe reordenar, restaurar o ambiente natural, a floresta. São ideias que atraem, a cada ano, centenas de pessoas para os cursos oferecidos por Ernst e o agricultor Henrique Souza.

Fonte: Globo Rural

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